Prócris, filha de Erecteu era casada com o Rei Céfalo da Tessália. Amavam-se com profunda ternura, porém sua felicidade terminou quando Eos, deusa da aurora, apaixonou-se por Céfalo e raptou-o para que vivesse ao seu lado. Apesar de toda a sua beleza não podia ela conquistar o amor de Céfalo. Perdendo por fim toda esperança disse-lhe que ele podia deixá-la para voltar aos braços de sua esposa.
- Porém, é quase certo que quando você voltar para sua casa, acrescentou, descobrirá que sua esposa já o esqueceu e está apaixonada por outro homem disse a deusa.
- Não o creio, nem por um momento, falou Céfalo, nós nos amávamos com tanto ardor que preferiríamos morrer a sermos infiéis ao nosso amor.
A deusa riu, afirmando que os homens são crédulos e ingênuos.
- Disfarce-se de maneira que sua mulher não o possa reconhecer, disse ela, e faça-lhe a corte dando-lhe ricos presentes e prometendo-lhe outros mais ricos para ela se entregar a você. Assim porá você à prova sua fidelidade.
Mesmo relutante, Céfalo concordou. Disfarçou-se de um rico mercador e fez a corte a Prócris com tanto êxito que afinal ela lhe prometeu ser sua. Nesse momento Céfalo arrancou furioso o disfarce revelando sua identidade.
- A deusa tinha razão, exclamou ele. Todas as mulheres são infiéis e os homens fáceis de enganar. Eu deveria saber que não podia confiar em você!
Prócris ficou tão envergonhada que se exilou em outro país, abandonando Céfalo a seus tristes pensamentos em seu lar agora deserto. Passado algum tempo foi ela ao país da Eubéia, onde conquistou os favores da deusa Ártemis, que lhe presenteou com uma lança que nunca falhava o alvo e um cão que nunca deixava de trazer a sua presa. De posse desses bens preciosos voltou à sua casa, disfarçando-se, de maneira a que Céfalo a não reconhecesse. Quando ele veio a saber do dardo que não errava o alvo e voltava às mãos de quem o lançava, e do cão que sempre trazia a caça a seu dono, sentiu ardente desejo de possuí-los. Adorava a caça e encontrava nela a única distração para as saudades que tinha de sua esposa infiel. Foi então falar com Prócris, tentando adquirir o cão e a lança.
- Não quero sua prata nem seu ouro, disse-lhe Prócris, mas tanto a lança como o cão serão seus se jurar que nunca amou sua esposa infiel; que a esquecerá e me dará o seu amor.
De início recusou-se Céfalo a cometer esse perjúrio, mas desejava tanto a lança e o cão de caça e, que ao final consentiu. Então Prócris, rindo-se, tirou o disfarce.- Somos ambos culpados tanto um como o outro, meu marido, disse ela. Esqueçamos o passado, renovemos nossos juramentos de amor, e amemo-nos de novo.
Céfalo não cabia em si de contente em ter de novo em seus braços sua linda esposa. Viveram em completa felicidade durante um ano, com Prócris dando a luz a ao seu filho Arcésio. Ela deu o cão e a lança a Céfalo que ia frequentemente caçar.
Um dia em que fazia muito calor, pediu ele ao vento que o acariciasse. Alguém que por acaso o ouviu foi contar a Prócris que seu marido estava no mato invocando certo nome em altas vozes. Tratava-se, sem dúvida, de alguma mulher com quem tinha encontros amorosos, enquanto Prócris supunha que estivesse a caçar.
No mesmo instante renasceram as suspeitas e os ciúmes de Prócris. Quando seu marido pegou da lança e chamou o cão, ela o seguiu secretamente para o mato escondendo-se atrás das moitas para não ser vista. Quando Céfalo ergueu os braços e disse: Vem, brisa suave, vem afagar-me. Tu tornas deliciosos os bosques e minhas caminhadas solitárias!
Prócris inclinou-se para melhor ouvir o nome que ele proferia. O ruído acabou chamando a atenção de Céfalo e supondo que um animal selvagem estava à sua espreita, à espera do momento para atacá-lo, arremessou ele a lança infalível contra a moita de onde vinha o ruído e assim Prócris, com o coração transpassado, caiu de bruços.
Céfalo correu para o lugar e encontrou-a ensangüentada, tentando arrancar da ferida a lança, que fora presente dela mesma, ele a ergueu do chão, e lutou para estancar o sangue, gritou-lhe que vivesse, que não o deixasse desamparado, recriminando-se de sua morte. Ela entreabriu os olhos e conseguiu murmurar estas palavras:
"Imploro-te, se algum dia me amaste, se algum dia mereci de ti benevolência, meu marido, que satisfaças minha última vontade: não te cases com essa odiosa Brisa!"
Isto revelou todo o mistério; mas que adiantava revelá-lo agora? Prócris morreu, mas seu rosto tinha uma expressão de calma, olhando com ternura e perdão para o marido, que a fez compreender a verdade.